segunda-feira, 27 de junho de 2011

PRELÚDIOS-INTENSOS PARA OS DESMEMORIADOS DO AMOR.

PRELÚDIOS-INTENSOS PARA OS DESMEMORIADOS DO AMOR

I

Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.

Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.

Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.


II

Tateio. A fronte. O braço. O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu
Madurez, ausência nos teus claros
Guardados.

Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já sou o passado.
Esta fronte que é minha, prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte descuidada.

Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta.


III

Contente. Contente do instante
Da ressurreição, das insônias heróicas
Contente da assombrada canção
Que no meu peito agora se entrelaça.
Sabes? O fogo iluminou a casa.
E sobre a claridade do capim
Um expandir-se de asa, um trinado

Uma garganta aguda, vitoriosa.

Desde sempre em mim. Desde
Sempre estiveste. Nas arcadas do Tempo
Nas ermas biografias, neste adro solar
No meu mudo momento

Desde sempre, amor, redescoberto em mim.




IV

Que boca há de roer o tempo? Que rosto
Há de chegar depois do meu? Quantas vezes
O tule do meu sopro há de pousar
Sobre a brancura fremente do teu dorso?

Atravessaremos juntos as grandes espirais
A artéria estendida do silêncio, o vão
O patamar do tempo?

Quantas vezezs dirás: vida, vésper, magna-marinha
E quantas vezes direi: és meu. E as distendidas
Tardes, as largas luas, as madrugadas agônicas
Sem poder tocar-te. Quantas vezes, amor

Uma nova vertente há de nascer em ti
E quantas vezes em mim há de morrer.

sábado, 18 de junho de 2011



-O que quer dizer ser adotado? - perguntou uma criança a outra.
- Significa que você cresceu no coração de sua mãe em vez de crescer na barriga dela.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Uma carta de minha amada...

Berna, 02 de janeiro de 1947.

Querida,

Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso – nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. Nem sei como lhe explicar minha alma. Mas o que eu queria dizer é que a gente é muito preciosa, e que é somente até um certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias.
Depois que uma pessoa perder o respeito a si mesma e o respeito às suas próprias necessidades — depois disso fica-se um pouco um trapo.

Eu queria tanto, tanto estar junto de você e conversar e contar experiências minhas e de outras pessoas. Você veria que há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Eu mesma não queria contar a você como estou agora, porque achei inútil
(…)
Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo o interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma num boi? Assim fiquei eu… em que pese a comparação… Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões – cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força. Espero que você nunca me veja assim resignada, porque é quase repugnante.

(…)
Uma amiga, um dia, encheu-se de coragem, como ela disse, e me perguntou: “Você era muito diferente, não era?”. Ela disse que me achava ardente e vibrante, e que quando me encontrou agora se disse: ou essa calma excessiva é uma atitude ou então ela mudou tanto que parece quase irreconhecível. Uma outra pessoa disse que eu me movo com lassidão de mulher de cinquenta anos. Tudo isso você não vai nem sentir, queira Deus. Não haveria necessidade de lhe dizer, então. Mas não pude deixar de querer lhe mostrar o que pode acontecer com uma pessoa que faz um pacto com todos, e que se esqueceu de que o nó vital de uma pessoa deve ser respeitado. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você – respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você – pelo amor de Deus, não queira fazer de você uma pessoa perfeita – não copie uma pessoa ideal, copie você mesma – esse é o único meio de viver. Juro por Deus que se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia – será punida e irá para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não será punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo aquilo que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Espero em Deus que você acredite em mim. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Isso seria uma lição para mim. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade de alma.

Tua Clarice.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Fomura

Há algum tempo, depois de uma daquelas conversas absolutamente mágicas e despretensiosas em um boteco qualquer em que a cerveja importa menos que a companhia, eu disse para uma amiga minha o que vinha pensando há alguns dias, sobre o que é a leitura, o ato de ler... Naquele dia eu senti no corpo o significado de uma frase de Paulo Freire, em que ele diz que, sem saber ler e escrever, o sujeito não poderia conhecer substancialmente o objeto. (É algo mais ou menos assim o que ele disse, depois posto aqui pois estou com preguiça de procurar agora.) A primeira vez que li esta frase foi durante minha pesquisa de Iniciação Científica, sobre o significado da alfabetização para idosos. E fez um puta sentido... marcou. Ficou ecoando dias dentro da minha cabeça.
Tentando ser um pouco mais objetiva, a questão que tento trazer com minhas simples palavras é que a leitura é mágica sim, mas mais mágica que a leitura por um indivíduo sozinho, é a leitura compartilhada. E leitura compartilhada não é ler junto, não é fazer um sarau; é a troca. Como é gostoso trocar textos, opiniões, dúvidas, questões, hipóteses... Sem essa de 'intelectualóide' (detesto isso/eles), trocar com amigos, sem se preocupar com coerência gramatical durante suas falas, deixando as palavras saírem de sua boca e de seus pensamentos desconexas, leves, despreocupadas... É incrível como o outro consegue por tantas vezes concluir uma idéia sua ou abalar suas certezas de uma maneira tão perturbadora e necessária, e esperada, e querida, e desejada.
Sempre depois desses felizes encontros eu fico pensando que é uma pena que tantas pessoas não possam ter isso. Algo tão simples e tão raro, tão vital. Para os jovens e crianças, a leitura pode parecer chata e sem muita utilidade. Mas só quem não possui as habilidades de leitura e escrita e vive numa sociedade letrada pode dizer o que estas habilidades verdadeiramente significam. Trabalhei com Educação de Jovens e Adultos, os alfabetizando... A busca deles pela leitura tinha uma beleza melancólica: o esforço, o fracasso, a perseverança, as primeiras palavras, o brilho no olhar, a paixão. Ler o mundo, ler as placas, ler as plantas, as paredes, as bulas de remédio, as revistas, os panfletos, os caminhos, sentimentos... Ler nada, ler qualquer coisa, ler tudo.
Enfim... tudo isso foi só pra dizer que hoje na JEIF uma professora levou uma delícia de texto que me trouxeram estes pensamentos à tona novamente... Enjoy!

"FOME, SEDE E VONTADE DE LER
(Fabiano Cambota)

Os biólogos, cientistas, cientificistas - enfim, qualquer estudioso do corpo humano - não cansam de afirmar e reafirmar a perfeição do corpo humano. A mais completa máquina já criada. O complexo sistema de células, órgãos, substâncias que sintetizam a perfeição. Pois tratemos de discordar. O corpo necessita de combustíveis. Se precisamos de água, temos sede. De comida, temos fome. Nunca paramos de respirar. Por que nos falta uma necessidade de ler? Alias, não há sequer um nome pra isso. Simplesmente “a necessidade de ler”. Algo como a manutenção da intelectualidade, ou da saúde do cérebro. Ler. Ler como quem mata a sede. Como quem avança sobre um prato de comida. Um copo de água bem gelada e uma Clarice. Uma lasanha e um Machado. Para todos os dias, arroz, feijão e Allan Poe.

A falta de leitura deveria ser retratada em fotografia premiada pela National Geographic. Concorrentes do “Foto do ano de 2004”: O menino faminto da Etiópia, a baleia encalhada da Antártida e o Sem-livro do Brasil. Deveria estar estampado na cara do sujeito: “Sou subletrado”.

Não se justifica com a situação do nosso país. Não se trata aqui da falta de incentivo e de educação, já notória e discutida. Mas de atitude.

Os jovens - ah, sempre os jovens – não conseguem, ou não querem, enxergar o benefício da leitura. Qualquer leitura. E os jovens crescem, ou já cresceram, subletrados. Daí a pergunta: E se houvesse uma necessidade física? Penso que ainda há o que mudar na estrutura humana. Que tal essa dica? Hein! Na falta de uma terminologia melhor, fica a “fome de leitura”, ou a FOMURA. O menino grita: “Manhêêê, to com uma fomura danada”. E ela vem correndo com a Ruth Rocha que é pro menino parar de reclamar. O pai, no meio da noite, acorda com o choro do bebê. Dá a mamadeira, troca a fralda e lê o Ziraldo enquanto o neném não consegue sozinho. O casal de namorados vai sair a noite. Jantar, choppinho ou leitura? O rapaz mais afoito sugeriria um João Ubaldo.. O divorciado um Nabokov. O mais esperto um Vinícius (sim, elas ainda adoram). E a combinação vinho, massa e Drummond? Irresistível.

O sonho enfim se concretizaria com o obeso-literato. Aquele que, de madrugada, assalta a estante. Acha que não faz mal um Parnasianismozinho durante as refeições. Vai ao médico, o letricionista, que lhe passa uma dieta a base de romance. Nada muito pesado. Depois das 20 horas, só Sidney Sheldon. Mas cai em tentação e é flagrado com “Crime e Castigo” nas mãos. A família se preocupa. Tornou-se um livrólatra. Só o L.A. poderá salvá-lo. Nas reuniões com o grupo de viciados em literatura, ele conta sua saga: “Bem, comecei aos 10 anos. Como todo mundo. Fadas, chapéus, narizes que cresciam. Depois eu parti pros livros menores. Mas quando você menos espera, já está devorando um Jorge Amado numa sentada só”. Um “ooh” ecoa na sala. Senhoras comentam entre si. “Tão novinho e tão letrado né!”
Bibliotecas lotadas.. Um silêncio ensurdecedor. Filas enormes para entrar. É muita gente morrendo de fomura. Consegue uma mesa, pede o menu.

- Por favor, me vê duas Cecílias. E pro menino pode ser um Lobato, que ele adora!!

- Senhor! Nossas Cecílias acabaram.

- O quê? E o que você sugere?

- Nosso Eça é legítimo, senhor! E temos Camões

- É que os portugueses são caros né! E meu médico me proibiu Camões durante a semana.

- Algum Andrade?

- Não sei. Não sei.. Tô indeciso ainda.

Depois de alguns minutos pensando e testando a paciência do rapaz que lhe servia...

- Ah, vou de Paulo Coelho mesmo que é só pra matar a fomura."

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Mamãe não faz nada

Segue um texto que li ainda na época da graduação em Pedagogia... Mto bom para (re)pensarmos sobre o papel das mulheres em nossa sociedade machista (e sobre como as mães são vistas pelas crianças, que acabam perpetuando em suas falas e ações, preconceitos aprendidos cotidianamente).

"Mamãe não faz nada

Era uma vez uma mulher que perdeu seu nome de batismo ou melhor trocou- o por outro muito usado: o de mãe. Sendo mãe tornou-se uma pessoa essencialmente chata. A maior cobradora da paróquia. Faça isso; faça aquilo...
O relógio toca. Começa a batalha.
- Vamos acordar, pessoal!!!
Corre liga a água para o café. O leite também (quando tem)...
- Vamos crianças, vistam o uniforme!
O pai já está no banho.
Rápido. Tem aula.
Côa o café. Serve a mesa.
Vamos pessoal. Olhe a hora. Coma o pão. Escovem os dentes.
Pronto. O marido foi para o trabalho e as crianças para a escola.
Trocou de roupa. Tirou a mesa, limpou a mesa do café. Arrumou as camas. Varreu a casa. Retirou o pó dos móveis. Vai ao verdureiro. Feitas as compras corre ao açougue. aproveita a saída passa pelo banco e paga as contas de água e luz.
Volta correndo. Faz o almoço. Olha o relógio. Está na hora do marido e das crianças chegarem...
Chegaram. Serve o almoço.
- Menino não belisque sua irmã!
O pai pede que lave o macacão. Conta que hoje o trabalho melhorou um pouco, mas é para cuidar das despesas. Breve repouso e volta ao serviço.
A mãe lava a louça do almoço. Afilha seca os pratos e o filho os talheres, ele se manda para o quintal. O cachorro aparece com os pêlos da cauda bem aparados.
- Esse menino! Foi por isso que ele pegou a tesoura...
- Crianças façam a lição.
Sim. Claro, arranjar figuras para a tarefa de geografia. Costurar a barra da calça do menino. Pregar o botão da blusa da menina.
- Mãe, amanhã é aniversário da professora. Tenho que levar um bolo.
Pronto. O bolo está no forno. Enquanto assa, lava o macacão.
- Vamos ao dentista.
Cuidado ao atravessar a rua.
Passam na panificadora. Voltam para casa.
- Tomem banho!
Providenciar o jantar.
- Não gosta de ovo? Tem que comer. Faz bem para a saúde.
Fiquem quietos. Deixem o papai assistir o noticiário sossegado. Ele está cansado. Trabalhou o dia todo. Vão para o banho! Já arrumaram o material para a aula de amanhã? Mas que turma! Desde que chegamos do dentista estou dizendo para irem para o banho.
Todos deitados.
Verificação total da casa. Deixar a mesa arrumada para o café matinal.
- Ora veja! O menino esqueceu de guardar o caderno.
Abriu-o, deu uma olhada na lição. Ele preencheu uma folha com dados pessoais: nome completo, data de nascimento, local e também dados familiares.
Profissão do pai: mecânico.
Profissão da mãe: não faz nada, só fica em casa."
Marilda Prates

domingo, 10 de abril de 2011

"A loucura é vizinha da mais cruel sensatez. Engulo a loucura porque ela me alucina calmamente."
Clarice Lispector

quinta-feira, 24 de março de 2011

domingo, 20 de março de 2011

Por uma educação romântica

Trecho da obra que dá título ao post, do queridíssimo Rubem Alves:

"A tarefa do professor: mostrar a frutinha. Comê-la diante dos alunos. Provocar a fome. Erotizar os olhos. Fazê-los babar de desejo. Acordar a inteligência adormecida. Aí a cabeça fica grávida: engorda com idéias. E quando a cabeça engravida não há nada que segure o corpo."

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Je n'aime que toi

Baixei o filme (Les Chansons d'amour), mas não o vi ainda... Estou ouvindo a trilha sonora, que é uma delícia... É alegre, melancólica, bonita e triste, assim msm, sem sentido, cheia de antagonismos... Tem "cara" daquelas músicas que vc põe pra tocar e depois deita no sofá e pensa em tudo e em nada ao msm tempo, enquanto sente aquela angústia deprimente que te conforta de certa forma... Tem gosto de saudade.

E é tb uma delícia essa canção e "clipe":


Essa semana senti todos os sentimentos possíveis ao mesmo tempo... Senti tristeza, angústia, medo, vontades, ansiedades, incertezas e nesse instante estou com uma pontinha de esperança.
É hora de mudar e ousar, comecemos pelo corte e cor de cabelo... rs Não gostei do verde quando passei, mas já estou me acostumando e comecei a gostar! Adorando meu cabelo raspado dos lados e mais curto... =D

*Ouvindo si tard*